"Pequena história do 1.º de dezembro" por José Miguel Sardica

"De acordo com os seus adeptos, o feriado do 1.º de dezembro é o mais importante de todo o calendário nacional porque, sem o acontecimento histórico que ele recorda, não haveria 5 de outubro ou 25 de abril: sem independência, a província portuguesa da Espanha teria seguido o curso político de Madrid; a república teria sido a espanhola de 1931; e a transição para a democracia teria sido pactuada e não revolucionária.

A 1 de dezembro de 1640, Portugal pôs termo aos 60 anos de dominação espanhola da monarquia dos Filipes.

Candidato ao trono de Portugal em 1580, contra D. António, Prior do Crato, Filipe II foi entronizado nas cortes de Tomar, em abril de 1581, ali jurando manter e assegurar “os privilégios, graças e mercês da nação portuguesa”. Ao contrário do lugar-comum consagrado, não foi nessa altura que Portugal perdeu a independência, porque a nova monarquia hispânica era dual, mantendo a separação dos dois reinos sob uma mesma cabeça coroada. A submissão de Portugal à Espanha foi sobretudo obra do reinado de Filipe IV (III de Portugal), a partir de 1621, quando o seu todo-poderoso valido, o conde-duque de Olivares, lançou uma agressiva política de “castelhanização” da Península, de reforço do poder madrileno de controlo administrativo, exação fiscal e recrutamento militar, que irritou tanto a fidalguia lisboeta quanto a Catalunha, Navarra e outras partes autonómicas da periferia hispânica.

A revolta dos Segadores, catalã, estalou contra Madrid no verão de 1640, quando a região se colocou sob a proteção de Luís XIII de França. Olivares despachou um dispositivo militar para liquidar aquele secessionismo, oferecendo a oportunidade aos conjurados portugueses para atuarem. Madrid conseguiu reprimir o separatismo de Barcelona, mas não o de Lisboa, e para a história ficou que os portugueses fizeram aos castelhanos o que os catalães gostariam de lhes ter feito! A 1 de dezembro, quarenta conjurados aprisionaram D. Margarida de Saboia, duquesa de Mântua – a vice-rainha de Portugal, prima de Filipe IV – e assassinaram, defenestrando-o de uma das janelas do Terreiro do Paço, o odiado Miguel de Vasconcelos, o valido de Olivares que atuava como primeiro-ministro em Portugal. O 8.º duque de Bragança, trineto de D. Manuel I, subiu ao trono a 15 de dezembro, como D. João IV, o primeiro monarca da nova dinastia bragantina (deposta em 1910). Todo o seu reinado (1640-56) e metade do do seu filho, D. Afonso VI, foram consumidos a travar e a vencer a Guerra da Restauração, apenas concluída pelo Tratado de Lisboa de fevereiro de 1668, nos termos do qual a Espanha reconheceu a independência reganhada por Portugal.

O 1.º de dezembro é o mais antigo feriado civil português. A data terá tido a primeira comemoração oficial em 1823, com uma cerimónia em Belém, presidida por D. João VI e capitalizada pela fação absolutista do filho, o infante D. Miguel, na luta que os legitimistas moviam contra os liberais. O feriado foi consagrado em 1861, pela então criada Sociedade Histórica da Independência de Portugal, muito em reação contra o federalismo iberizante que permeou alguma da intelligentsia dos dois lados da fronteira. Fruto desse nacionalismo redivivo, a praça dos Restauradores foi embelezada, em 1886, com o obelisco onde se recordam as batalhas do século XVII contra a Espanha.

No calendário republicano pós-1910, o 1.º de dezembro foi o único feriado laico que transitou do anterior regime. O Estado Novo preferiu-o sempre ao 5 de outubro; e a democracia manteve-o, padecendo embora a data da mesma erosão cívica que afeta outras comemorações e efemérides. Não deveria ser assim. No presentismo amnésico em que vivemos, as recordações das datas-marcos de uma história longa são ocasiões para vivificar o patriotismo. E que a palavra pareça ter hoje uma conotação negativa é mau sinal de um país que erradamente se envergonha da sua história."

José Miguel Sardica