A morte para além da Covid-19: Em busca do que explica os picos de mortalidade em Portugal

Desde março, Portugal registou vários picos de mortalidade que ultrapassaram a média de mortes esperada. A mortalidade por causas naturais no nosso país é inegavelmente superior, relativamente a 2019, no entanto, a Covid parece explicar apenas parte desse aumento.

Subtraindo as 1727 mortes por Covid-19 ao número total de mortes por causas naturais, registadas desde 16 de março de 2020, verifica-se um valor de quase 2600 óbitos a mais relativamente ao valor registado em 2019, no mesmo período temporal. Os especialistas apelidam-nas de mortes colaterais da Covid-19 e indicam diversas explicações que, tal como o desenvolvimento da própria pandemia, dependem da evolução das circunstâncias e dos momentos epidemiológicos.

Dois estudos da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, realizados a 21 de abril e 19 de junho, refletem sobre o excesso de mortalidade observado em diferentes momentos da pandemia. Em abril, um mês após a primeira morte por Covid em Portugal, tinham já sido registados mais 1255 óbitos do que o esperado, com base na mortalidade média registada nos últimos 10 anos. No entanto, apenas 49% deste número correspondia a mortes diretamente causadas pelo novo Coronavírus, enquanto os restantes 51% eram atribuídos a outras patologias.

Já entre 3 de maio e 13 de junho, nas seis primeiras semanas do desconfinamento, a mortalidade encontrava-se 8% acima do esperado, tendo em conta os valores dos últimos seis anos nesse mesmo período. Também neste segundo momento a maioria do excesso (59%) de óbitos foi causada por outras causas naturais que não a Covid.

Os dados da EuroMOMO, atualizados até dia 30 de julho, colocam Portugal como um dos quatro países da União Europeia onde se verifica excesso de mortalidade, ao lado de Espanha, da Bélgica e da Suécia.

O que está a matar os portugueses

 

Alexandre Abrantes, coordenador dos dois estudos da Escola Nacional de Saúde Pública, já solicitou à DGS os números relativos à mortalidade diária por causas específicas ou grandes grupos (por exemplo tumores, doenças cardiovasculares ou doenças endócrinas), em 2020 e nos anos anteriores, mas estes não foram ainda disponibilizados.

Ainda assim, Vasco Ricoca Peixoto, médico interno de Saúde Pública e um dos autores dos documentos, explica que, “muito provavelmente, o padrão de mortalidade por causas específicas não será muito diferente dos valores médios registados até 2018, mas seria importante verificar eventuais aumentos de mortalidade por causas cardiovasculares e oncológicas”.

Ou seja, cerca de 25% das mortes serão causadas por tumores, 29% por doenças do sistema circulatório e 4% por doenças endócrinas. Dos restantes 42%, sabe-se que, em média, apenas 1,5%das mortes será responsabilidade da Covid-19.

“É preciso perceber que a mortalidade associada ao novo coronavírus só foi tão baixa, porque a transmissão está a ser altamente controlada”, refere Vasco Ricoca Peixoto. Também Henrique Lopes, especialista em Saúde Pública e professor na Universidade Católica Portuguesa, refere estudos franceses, ingleses e alemães que projetam um cenário onde não tivesse sido tomado nenhum tipo de precaução, revelando, “na melhor das hipóteses teríamos tido o triplo das mortes e o triplo do número de infeções”.

Ainda que, sem os dados solicitados à DGS, seja difícil ter um retrato fidedigno da dimensão do problema, os especialistas acreditam que a redução das consultas presenciais não urgentes, aliada ao medo de contrair Covid-19, que manteve certos doentes afastados do hospital, bem como a fragilidade de muitos deles, são fatores que podem ter contribuído, em parte, para o excesso de mortalidade registado nos primeiros meses da pandemia.

Se, em março, o número de consultas presenciais superava um milhão, em abril e maio mal ultrapassava as 500 mil. “Quando pessoas com doenças crónicas avançadas como a diabetes, doenças cardiovasculares ou doenças renais estão muito tempo em casa sem acompanhamento, acabam por descompensar. Além disso, a maioria destes doentes são idosos que evitaram a todo o custo ir a urgências de hospitais, por terem medo”, explica Ricoca Peixoto. No entanto, esta explicação limita-se aos meses em que o país esteve confinado e não se aplica aos últimos meses, nos quais a vida começou a regressar ao ritmo normal.

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